O avanço da tecnologia muda a dinâmica de controle de jornada, levando o judiciário a rever posições que antes eram unânimes.
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Belo Horizonte, 26 de setembro de 2024 – Nos últimos anos, a introdução de novas tecnologias de monitoramento tem transformado a forma como empresas controlam a jornada de trabalho de seus empregados, em especial aqueles que atuam externamente, como propagandistas e vendedores. Historicamente, esses profissionais eram enquadrados no art. 62, inciso I, da CLT, que isenta o empregador de controlar a jornada de trabalhadores que exercem atividades incompatíveis com a fixação de horário. No entanto, a utilização de dispositivos como palmtops, iPads e softwares de monitoramento mudou essa dinâmica, permitindo um controle indireto da jornada, que desafia o enquadramento nessa exceção legal.
A Decisão Judicial: Um Caso Exemplar
Um recente acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) envolvendo uma propagandista de uma empresa farmacêutica ilustra essa questão. No caso, a empregada alegava que, apesar de seu trabalho externo, a empresa mantinha controle efetivo de sua jornada, o que invalidaria o enquadramento no art. 62, I, da CLT. A decisão judicial reconheceu os seguintes elementos que indicavam controle:
Esses elementos fático-probatórios, presentes na decisão, indicaram que, embora o trabalho fosse realizado externamente, havia meios suficientes para controlar indiretamente a jornada de trabalho da propagandista, afastando, assim, o enquadramento no art. 62 da CLT.
A Tecnologia e o Controle Indireto da Jornada
O uso de dispositivos como iPads e sistemas de geolocalização tem permitido às empresas acompanhar em tempo real o deslocamento e a produtividade de seus funcionários externos. Essas ferramentas coletam dados sobre o horário das visitas, a localização do funcionário, além de facilitarem a comunicação imediata com os supervisores. Essa capacidade de monitoramento criou um novo cenário no qual o argumento de que não há como controlar a jornada de trabalho externo se torna cada vez mais frágil.
Com isso, tribunais trabalhistas têm reconhecido que, se existe qualquer meio de controle da jornada, mesmo que indireto, o empregador não pode se eximir de suas responsabilidades em relação ao pagamento de horas extras e concessão de intervalos, como ocorreria com a aplicação do art. 62, I, da CLT. Decisões como essa representam um marco na defesa dos direitos de trabalhadores externos, como propagandistas e vendedores, que historicamente eram tratados como exceções à regra.
Para a advogada trabalhista Dra. Alana Evaldt, o uso crescente da tecnologia no controle de trabalhadores externos é uma evolução inevitável no mundo do trabalho. “A tecnologia permite que o empregador tenha total controle sobre o que o empregado está fazendo, onde está e quanto tempo está dedicando ao trabalho, independentemente de ele estar dentro ou fora das instalações da empresa. Isso afasta cada vez mais a aplicação do art. 62 da CLT, especialmente em casos onde os empregados externos têm sua rotina monitorada de forma tão eficaz”, explica a Dra. Evaldt.
Ela acrescenta que, para muitos trabalhadores que atuam externamente, como propagandistas e representantes comerciais, a utilização de tecnologias para monitorar suas atividades diárias transforma o caráter do trabalho. “Essas ferramentas estão deixando claro que o controle existe, ainda que de forma remota, o que fortalece as reivindicações por direitos trabalhistas, como o pagamento de horas extras e o respeito aos intervalos intrajornada”, conclui.
Impacto nas Relações de Trabalho
A crescente utilização dessas ferramentas de monitoramento também levanta questões importantes sobre o equilíbrio entre a liberdade do trabalhador externo e a responsabilidade do empregador. Se, por um lado, a tecnologia permite maior autonomia e flexibilidade para os empregados realizarem suas tarefas, por outro, coloca em evidência a capacidade do empregador de controlar efetivamente o tempo de trabalho e, consequentemente, a necessidade de compensação adequada.
Essa tendência de decisões judiciais, como a destacada, sugere que o art. 62 da CLT, que foi criado em um contexto no qual o controle de trabalhadores externos era impraticável, está sendo gradualmente revisto pela jurisprudência à medida que a tecnologia redefine o que é ou não “incompatível com a fixação de horário”.
A declaração da Dra. Alana Evaldt resume bem o impacto desse fenômeno: a tecnologia oferece controle suficiente para que a legislação trabalhista seja aplicada de maneira justa, garantindo que os trabalhadores externos não fiquem desamparados sob a justificativa de que seu trabalho é “incompatível” com a jornada controlada. Com a tecnologia à disposição, o futuro do trabalho externo se apresenta sob uma nova ótica, uma em que a supervisão não precisa ser física, mas os direitos do trabalhador continuam sendo fundamentais.
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