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Brasília – Frequentemente, os profissionais que atuam em cargos de gestão são inclinados a acreditar que sua posição os exclui automaticamente do direito a horas extras, baseando-se na premissa de que tais cargos envolvem um grau de autonomia e responsabilidade que justifica jornadas de trabalho mais flexíveis e, muitas vezes, mais extensas.
No entanto, essa percepção é desafiada quando as atribuições práticas do cargo não refletem a autonomia ou o poder decisório esperados, colocando em questão a legalidade dessa exclusão sob a legislação trabalhista vigente.
Um caso recentemente julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, destacou a complexidade da aplicação do artigo 62, inciso II, da CLT, que isenta de horas extras os empregados que exercem cargos de gestão, desde que possuam poderes de mando e gestão equivalentes aos do empregador.
Neste caso, uma profissional que ocupava um suposto cargo de gestão em uma grande farmacêutica moveu uma ação trabalhista reivindicando o pagamento de horas extras, alegando que, apesar do título de sua posição, suas funções não envolviam autonomia ou poder decisório significativos que justificassem sua exclusão do pagamento de horas extras conforme previsto na legislação.
A argumentação central da profissional baseou-se na realidade de suas atividades diárias, que, segundo alegado, estavam mais alinhadas com funções operacionais e de execução do que com decisões estratégicas ou gerenciais, que caracterizariam um verdadeiro cargo de confiança.
Este argumento colocou em cheque a aplicação indiscriminada do artigo 62, II, da CLT, que muitas empresas utilizam para justificar jornadas de trabalho prolongadas sem a devida compensação.
O Tribunal, ao analisar o caso, pautou sua decisão em uma avaliação detalhada das responsabilidades reais da empregada, distanciando-se da nomenclatura do cargo para investigar a essência das atividades desempenhadas.
A conclusão foi de que, apesar do título gerencial, profissional não exercia, de fato, funções de gestão autônoma ou de mando, caracterizando-se, portanto, como elegível para o recebimento de horas extras. Esta decisão enfatizou a importância de uma análise substancial do conteúdo das funções exercidas pelo empregado, além da simples denominação do cargo, para determinar o direito às horas extras.
Para o Dr. João Vicente Sidou, Advogado da Reclamente e especialista em Direito do Trabalho, “As relações trabalhistas são ‘de realidade’, devendo o julgador ater-se às reais condições e circunstâncias experimentadas pelo trabalhador. Não basta que a função desempenhada pelo empregado seja precedida do prefixo “gerente”. A bem da verdade, o empregado somente poderá ser enquadrado como detentor de cargo de confiança quando estiver efetivamente investido de poderes de mando e gestão, tais como poderes para admitir, demitir e advertir funcionários, ou ponderes decisórios numa estratégia negocial, somados, ainda, à fidúcia diferenciada.
Cargos de confiança “fake” são usualmente adotados como esquiva ao pagamento das devidas horas extras àqueles que, justamente por sua dedicação, têm suas jornadas mais elásticas.”
Este veredito reverbera além das partes envolvidas, servindo como um alerta para empresas e profissionais de RH na classificação de cargos de gestão.
Ressalta-se a necessidade de uma clara distinção entre os cargos que efetivamente implicam em gestão e autonomia significativas – justificando assim a exclusão do regime de horas extras – e aqueles que, apesar de nomeados como tal, não conferem ao empregado poderes além das tarefas operacionais ou de execução.
Leia a decisão da íntegra: RO – 0000602-50.2020.5.10.0013
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